AS TROIANAS
Eurípides
Quando a pandemia altera a dramaturgia de um espectáculo
Antes da pandemia:
A criação de As Troianas dá sequência ao trabalho de Rui Madeira sobre os clássicos gregos, depois de Bacantes e da trilogia Oresteia (agamémnon; coéforas e euménides). Em Bacantes definiu-se como “um espectáculo sobre a Condição Humana. A luta entre o Sagrado e o Profano. Um caminho de Imigrantes e de Confronto de Identidades. Um espectáculo de Mulheres! Um espectáculo do Mundo! “. E em Oresteia; “o que se contou foi a história desta Europa, depois da segunda guerra mundial, alquebrada e moribunda, cansada da vitória. Dividida como uma família desavinda onde impera o ódio, a inveja e a intriga. Se reinventa a Cidade e um novo paradigma de JUSTIÇA.
Pretendia-se então que em AS TROIANAS, o centro da dramaturgia incidisse sobre as relações histórico-culturais, sociológicas e políticas entre as potencias colonizadoras europeias em guerra não declarada, com as antigas colónias E, mais concretamente, falar da situação dos Refugiados e especificamente da saga e da tragédia dos Rohingya em Miamar. Pretendia-se um espectáculo testemunho, em que as actrizes e os actores em palco, assumissem a sua posição de cidadãos atentos e solidários com aquela realidade e narrassem e mostrassem aos públicos a situação daquele povo e, sobretudo, daquelas Mulheres. Que o espectáculo cruzasse o documentário e o teatro, os testemunhos vivos das vítimas e o texto de Eurípedes. Onde os verdadeiros protagonistas são os factos.
E no meio do trabalho chega a pandemia que, (de um dia para o outro) tudo muda. E qual foi o momento certo em que percebemos que tudo mudou? E já percebemos? E paramos o trabalho e, depois de quase três meses voltamos. E já não era a mesma coisa. Porque nada é igual. E ainda não percebemos bem porquê. Mas o espectáculo e o trabalho Mudou. Porque percebemos que depois da pandemia:
Não há um tempo para a Desgraça!
Há muito que a Tragédia invadiu o nosso quotidiano!
Acontece Agora. Aqui. E está a acontecer neste exacto momento em muitos lares!
Das Mulheres Rohingya à pequena Valentina … das Mulheres Yazidi à Gabriela…da cartografia Homérica ao nosso Mediterrâneo… do silêncio das Cidades ao vazio da Alma. Aquando do confinamento afirmamos que o Lugar do Teatro era e será sempre o Teatro. E AQUI estamos! De volta a Casa, ao Lugar da nossa VIDA. Ao TEATRO! Que Aqui se chama “Circo”, porque, se dúvidas houvesse nalgumas certificadas mentes, a nossa Vida é um circo! Tão frágil para artistas e públicos quanto o são o arame onde andamos e a vara que nos equilibra. Com AS TROIANAS de Eurípedes para dar testemunho de como entendemos este Tempo e como Ele se introduziu na criação. Com uma tragédia da Cultura Clássica Grega, cinza e matéria da nossa identidade. Este é um espectáculo testemunho sobre a violência contra as Mulheres e as Crianças. Sobre o sentido de pertença depois da perda. A transitoriedade da Vida e a busca da transcendência rumo a uma qualquer espiritualidade onde a Palavra e o Silêncio nos apaziguem.
Anjos e demónios….
O tempo de criação deste espectáculo foi interrompido pelas voltas dum demónio desconhecido, mas aqui, em Braga (?!) tivemos a felicidade de ficar sob as asas de um anjo protector. Foi ele que nos deu alento e não só, que nos criou mais responsabilidade, enquanto criadores, com o seu acto solidário, exemplar (e testemunhal para o país), sobre o entendimento que faz de responsabilidade social de Empresa. Se nunca iremos esquecer do ano dos 40 anos da CTB, como o ano da pandemia, ele será, no mesmo passo recordado, como o ano em que o nosso Mecenas, num acto de alcance inimaginável, nos segurou e nos manteve no rumo da criação artística. E pela primeira vez, ao longo dos 40 anos de trabalho da CTB,( praticamente os mesmos que a DST nos apoia), damos espaço, num Programa de Espectáculo, à Palavra exemplar do Presidente do Conselho de Administração da DST Group, nosso Mecenas. Na pessoa do nosso querido Amigo, Eng. José Teixeira, vai um forte abraço a TODOS aqueles que fazem grande uma Grande Empresa. É com TODOS que estamos de volta à Casa. No ano e no Mês dos 40 anos da CTB.
Rui Madeira